O mercado criado pelos aplicativos de transporte e entregas é tema de muitos debates, principalmente relacionados ao tipo de relação jurídica entre trabalhadores e empresas. Ainda que não haja entendimento comum sobre vínculo de emprego, os principais magistrados e acadêmicos que se debruçam sobre a questão têm pelo menos uma posição em comum: a responsabilidade que essas organizações precisam assumir com relação à saúde e segurança daqueles que estão nas ruas e viabilizam os negócios.
O cenário pôde ser conferido no seminário “As plataformas digitais e os impactos na saúde dos trabalhadores e trabalhadoras”, realizado nessa segunda e terça (clique os dias 13 e 14 para assistir à íntegra no YouTube). Na abertura do evento, Antônio Rodrigues de Freitas Júnior, professor da Universidade de São Paulo e estudioso das relações nas plataformas digitais, explicou que o Judiciário ainda precisa se preparar para avaliar o fenômeno, que necessita urgentemente de regulamentação.
Para ele, regular é importante para que os trabalhadores tenham os direitos sociais garantidos, como remuneração mínima e controle de jornada, que nada mais são que direitos humanos. “Não há a possibilidade de se falar em dignidade de pessoa sem se limitar a quantidade de trabalho ou de se definir um mínimo de remuneração por hora”, pontuou.
A idade dos profissionais também é uma grande preocupação. Segundo a juíza Eliana dos Santos Alves Nogueira, do TRT-15, os jovens são a grande maioria nesse ambiente desregulado que, além de provocar afastamento das escolas, cria uma geração de pessoas sem contribuição previdenciária, sem recolhimento de impostos, e com questões de saúde que caem na conta do Sistema Único de Saúde e de toda a sociedade. “É um modelo que não interessa à sociedade e ao Estado. A perspectiva é de uma tragédia social, com a formação de uma geração de miseráveis”, alertou.
A necessidade de se analisar algoritmos para avaliar a extensão do controle que as empresas têm sobre os trabalhadores também é pauta das discussões relacionadas ao tema. O Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Cláudio Mascarenhas Brandão afirmou ser falsa a ideia de ausência da decisão humana quando se abordam os aplicativos, e defendeu a perícia desses códigos sempre que necessário, uma vez que há instrumentos jurídicos para se garantir o segredo industrial das companhias.
Se as novas tecnologias trazem novos desafios, há um arcabouço legal que pode, desde já, orientar algumas decisões, como quando se trata de responsabilidade civil. O ministro do TST Alexandre de Souza Agra Belmonte demonstrou pontos do Código Civil aplicáveis ao caso, tornando evidente a responsabilidade solidária e objetiva da empresa nos eventuais prejuízos à saúde física e psíquica dos trabalhadores em caso de acidentes.
Encerrando o evento, a ministra Delaíde Alves Arantes Miranda, coordenadora nacional do Programa de Trabalho Seguro, relembrou que a pandemia evidenciou problemas que já estavam aflorando nessa nova realidade, sendo “certo que é preciso proteger a saúde das trabalhadoras e trabalhadores e garantir os direitos fundamentais".
Entre os mediadores do debate, estavam a juíza Lorena de Mello Rezende Colnago e o juiz Fábio Augusto Branda, membros do Comitê de Trabalho Decente e Seguro do TRT-2, que organizou o seminário em parceria com a Escola Judicial do TRT-2. A presidente do comitê, desembargadora Ivani Contini Bramante, estava presente à mesa virtual.
Além do evento, a comissão elaborou uma cartilha em parceria com a Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho sobre os direitos dos trabalhadores nas plataformas virtuais. Acesse aqui a versão digital.